Em Goiás, negros têm 3x menos chances de se elegerem

25/06/2022 12:56:46

“Certa vez, em um evento, fui subir ao palco e uma pessoa me disse que, ali, era só para eleitos. As pessoas conseguem falar isso com certa tranquilidade porque estão acostumadas a ver que o poder não tem a cara de uma mulher preta. Nesse mesmo evento, vi um homem branco fazer memória de quatro gerações de sua família na política em Goiás.”

O relato é de Elenízia da Mata, a primeira mulher preta eleita vereadora em Goiás, antiga capital do estado de mesmo nome, fundada há quase 295 anos, e reflete bem o cenário político goiano. No estado, as chances de candidatos negros se elegerem é mais de três vezes menor que as de postulantes brancos, segundo aponta levantamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A análise considera as eleições de 2014, quando o TSE começou a divulgar os dados de autodeclaração de cor ou raça de políticos, e de 2018. Entre os 129 eleitos a todos os cargos nos dois pleitos, apenas 23 se declararam negros (pretos ou pardos), enquanto 106 se disseram brancos. 

Considerando que houve 853 pretos disputando uma vaga eletiva nas duas eleições, a taxa de sucesso desses candidatos foi de 2,69%. Já entre brancos, a taxa é de 9,96% — 1064 dos postulantes se declararam assim em 2014 e em 2018 —, demonstrando uma chance maior de eleição entre os que se identificam desta maneira. 

O levantamento conta todos os candidatos que chegaram às urnas nos dois anos, inclusive os que disputaram os dois pleitos. No período, nenhuma pessoa que se identifica como indígena ou que se autodeclara amarela foi eleita. 

Elenízia relata que as pessoas estão acostumadas a enxergar o poder como lugar de homens brancos e mais velhos, e não se questionam o porquê de ser assim. “Isso indica muito do nosso adoecimento histórico que exclui corpos pretos, amarelos e indígenas. Nós somos a maioria (da população), mas apenas simbolizados nos espaços de decisão. E olha que nem estamos falando de gênero. Quantas mulheres foram eleitas e, dessas, quantas são pretas?”. 

Nas duas últimas eleições gerais, foram eleitas seis mulheres, das quais duas se autodeclararam pardas: Eliane Pinheiro e Isaura Lemos. As duas chegaram à Assembleia Legislativa no pleito de 2014 e não foram reeleitas quatro anos depois.

Em todo o período, nenhuma mulher preta alcançou sucesso nas urnas em nenhuma instância de poder estadual ou federal por Goiás. “Por isso, é perverso quando alguém olha para mim e diz que ‘a favela venceu’, sem considerar esses dados”, argumenta Elenízia. “A pessoa não conhece o tecido social ou o ignora.”

AUTODECLARADO 

A base de dados do TSE é alimentada por informações preenchidas pelos próprios candidatos ou suas campanhas e, por isso, acaba sujeita a mudanças de identificação de cor e raça, seja por erro ou outro motivo. Entre os eleitos em Goiás, houve mudanças na autodeclaração de nove políticos entre 2014 e 2018. 

Os deputados federais Lucas Vergílio (SD) e Roberto Balestra (ficou como suplente em 2018), por exemplo, se identificaram como pardos em 2014 e, no pleito seguinte, aparecem como brancos. Também deputado federal, Delegado Waldir (UB) fez o caminho contrário, mudando de branco para pardo, assim como os deputados estaduais Charles Bento (PRTB), Gustavo Sebba (PSDB), Henrique Arantes (MDB), Iso Moreira (UB) e Talles Barreto (UB). 

Já o deputado estadual Thiago Albernaz (MDB) se declarou amarelo em 2016, quando foi candidato a vice-prefeito de Goiânia, e pardo dois anos depois. 

À reportagem, Lucas Vergílio diz que “nem sabia” ter se declarado branco em 2018. “Quem preenche essas coisas não sou eu, mas o advogado com a assessoria. A gente fica correndo com composições políticas. Me autodeclaro pardo.” 

Waldir também relata se identificar como pardo. “Tenho descendência italiana e africana e, por isso, me autodeclaro pardo. Normalmente, quem preenche isso é o assessor jurídico. Olhou para mim e achou que eu era branco.” 

Já Talles Barreto afirma ser “filho de preto.” “Doutor Antônio Barreto (seu pai) é um baiano de cores fortes, então, sou pardo. Em 2014, a gente não sabia (como preencher), então, foi erro ou até mesmo por inexperiência.”

Henrique Arantes também explica que quem preenche as informações é a assessoria. Pelo menos foi assim na eleição de 2014. “Quem fez naquele ano foi a assessoria. Em 2018, fui eu, por isso, a mudança. Me declaro pardo porque não sou branco.”

Thiago Albernaz relata achar que quase “todo brasileiro, pela miscigenação, é pardo” e se declara assim. Os outros quatro deputados não atenderam ou estão indisponíveis, caso de Iso Moreira, que está internado.

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*com informações de O Popular

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